Eu no PET e o PET em mim

Outubro de 2013 completo um ano como bolsista do programa PET: Saúde Noturno. Lembro-me quando cheguei tímida, perdida, conhecendo poucos integrantes alguns de vista da Saúde Coletiva entre os 11 membros dos demais cursos noturnos da área da saúde na UFRGS: Psicologia, Odontologia e Serviço Social. Estes 11 que por um período, já foram em 6 membros tornaram o espaço do programa uma extensão da universidade, um mundo a parte em que ganhamos o mínimo de visibilidade e valorização dentro da instituição que parece ignorar a existência dos cursos noturnos.

Há pouco houve a seleção de novos bolsista, recordo do meu inicio no programa e sei como devem estar se sentido confusos para entender o que fazemos. Diga-se de passagem, e como fazemos é ensino, pesquisa e extensão tudo junto e misturado. Ao longo do tempo sei que vão entender o que o tal PET de nome complicado faz (conexões de saberes: cenário de práticas e de estágios curriculares noturnos), também vão se sentir parte de algo maior, não apenas como um bolsista, mas como colaboradores da transformação social.

Entre os 17 grupos PETs da universidade, nenhum trabalha na mesma lógica que nós, sempre achei estranho a forma diferente com que outro grupo funciona até me dar conta que os diferentes somos nós. É tão complexo e grandioso o que fazemos que é difícil explicar para outros entenderem claramente nossas ações. Para grupos tão tecnicistas compreender aquilo que não é palpável torna-se uma tarefa quase impossível.

Neste um ano de “petiana” me senti acolhida nas reuniões em roda, por vezes, parecendo uma terapia de grupo. Fizemos grandes feitos como proporcionar projetos de extensão para nossos colegas, parece tão simples uma vez que todos os outros grupos também o fazem, o diferencial está no publico ofertado – alunos-trabalhadores, portanto só podem conquistas créditos complementares aos finais de semana. Nosso grupo multidisciplinar comprometido com as políticas públicas de saúde transforma a rigidez abitolada de algumas instituições filantrópicas de saúde em uma visão ampliada do SUS. Realizamos pesquisa a fim de problematizar as peculiaridades dos cursos noturnos na UFRGS. Mapeamos organizações para possível estágio curricular no período noturno, assim como possíveis instituições para cenário de prática que tenha funcionamento em turno estendido ou ao final de semana, por outro lado incentivamos aquelas com turno exclusivamente diurno a flexibilizar seu horário. Participamos de instâncias de controle social como Conselhos de Saúde, de congressos e palestras. Convidamos nomes importantes do cenário acadêmico para rodas de conversas, enfim propomos conhecimento.

Integrar o PET me faz sentir importante dentro da UFRGS, neste um ano de participação aprendi tanto que é complicado mensurar. Tornei uma protagonista dentro do meu território como representante discente, transformei pouco da minha realidade participando de reuniões de bairro e ações de promoção da saúde e educação de qualidade na minha antiga escola, adquiri conhecimento para reivindicar direitos, ou seja, a transformação começa em mim para depois transformar o redor. No mais, fazer parte de tudo isso é tão gratificante que é impossível desvincular-se, não me imagino sem o PET. Logo deixarei de ser bolsista, mas continuarei como “amiga” do projeto participando mesmo sem estar cadastrada na plataforma, afinal o conhecimento não precisa de formalidades.

Estamira

Estamira é um documentário brasileiro, no qual leva o nome da protagonista, foi dirigido por Marcos Prado e lançado em 2005. O Filme se passa no Jardim Gramacho, um bairro da cidade do Rio de Janeiro onde se localizava o aterro sanitário. Através do relato da vida de Estamira é possível observar o cotidiano dos trabalhadores deste local, além das críticas que vão deste o sistema político até ao comportamento humano “feio é a incivilização”.

A trama inicia com a definição do lugar a partir do ponto de vista de quem convive no aterro por mais de 20 anos, como um “depósito dos restos e descuidos”. Percebe-se no relato de vida orgulho do trabalho, grande vinculo afetivo com o local e prazer no que faz, “Eu Estamira, sou a visão de cada um ninguém pode viver sem mim”. Ao mesmo tempo, sente-se triste e enxerga na morte uma solução para seus próprios problemas. O que é perfeitamente compreensível quando se entende o histórico de vida da personagem, na qual passou por situações de violências físicas, sexuais, psicológicas e sociais.

Estamira se define como abstrata, o que é considerado deficiência metal para uns ou desequilíbrio de cunho religioso, para ela é muito simples seguindo suas próprias linhas de raciocínios e métodos de explicações. Ela faz uma analogia entre o controle remoto artificial e o controle remoto natural, o primeiro refere-se ao controle do seu próprio corpo e do Estado “os homens devem ser comunistas, o comunismo é igualidade” e o segundo o controle religioso.

Por fim, Estamira é o típico retrato brasileiro, contendo a beleza própria da miscigenação estampando no rosto as linhas de expressão do tempo sofrido e das histórias. A vida desta mulher faz refletir sobre a complexidade da vida, sobre o lixo que desprezamos “devem prestar atenção, quem economiza têm, porque ficar sem é muito ruim”. Também, sobre a saúde e a qualidade de vida, situações de internação compulsória e medicalização “Conheço médicos de verdade e copiadores. Essa aqui que me receitou esses remédios só copiou”. Estamira toma diazepínicos sob orientação médica e recusa internação.

“O trocadilo fez de uma tal maneira que quanto menos as pessoas têm, mais elas manuspezam e jogam fora, quanto menos eles têm...” (Estamira,2005)